terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Existe vida cristã?

Paz,

Gostaria de reproduzir uma entrevista que li no site www.guiame.com.br. O entrevistado é o Pastor Ed René Kivitz, uma das mentes mais brilhantes do meio envangélico no Brasil.

Ed René Kivitz: "Devemos acabar com essa ideia de vida cristã"
"Quando a vida nos decepciona, ou a gente corre para o divã, para um prosecco ou para o divino. O problema é que Deus também decepciona", afirma o escritor em lançamento de "O Livro Mais Mal-Humorado da Bíblia".


Por Felipe Pinheiro - www.guiame.com.br


"De novo olhei e vi toda opressão que ocorre debaixo do sol: Vi as lágrimas dos oprimidos, mas não há quem os console; o poder está do lado dos seus opressores, e não há quem os console. Por isso, considerei os mortos mais felizes do que os vivos, pois estes ainda têm que viver!" (Ec 4:1-2)


O mesmo conflito que reverberou entre os escritos de Friedrich Nietzsche, filósofo alemão que classificou o cristianismo como a doença da humanidade, na medida em que o entendia como um depósito de anseios do homem diante de uma vida não satisfeita, foi o assunto da observação do sábio no livro bíblico de Eclesiastes, milhares de anos antes do filósofo que declarou a morte de Deus: qual o sentido da vida?


Com um caráter contemplativo, Eclesiastes - cuja indefinição autoral vagueia entre o rei Salomão a alguém de sua elite - é permeado por reflexões discorridas a respeito da vida e suas eventualidades. "Usando a expressão do Nelson Rodrigues, ele vê a vida como ela é. Ele não lê entrelinhas, ele não tem metafísica, ele simplesmente relata fatos da vida e diz: - Olha, isso é um absurdo e isso não faz sentido. Isso é vaidade", afirmou ao Guia-me Ed René Kivitz, autor da obra recém lançada, "O Livro Mais Mal-Humorado da Bíblia". "O autor de Eclesiastes não é nem pessimista nem otimista. Ele é realista", enfatizou.


Fruto de uma compilação de sermões, Kivitz, também pastor da Igreja Batista de Água Branca (SP), relatou a origem do livro baseado em Eclesiastes. "Ele nasceu dentro de mim provavelmente há uns 30 anos. Não que eu tenha demorado todo esse tempo para escrever, mas as angústias que deram origem ao que veio se tornar esse texto me chegaram já na minha juventude".


A crise existencial ocasionada pela decepção inerente aos que estão debaixo do sol é a peculiaridade que, na opinião de Kivitz, torna Eclesisastes o livro mais mal-humorado das Escrituras e "absolutamente atual", como afirma o pastor. "Um justo que morreu apesar da sua justiça e um ímpio que teve vida longa apesar da sua impiedade" (Ec 7:15).


"Com certeza, de todos os livros da Bíblia, o cara que menos se sente confortável no mundo é o Qohélet de Eclesiastes. Esse cara pegou todo o mal estar do mundo, da existência humana, e trouxe para dentro da alma dele", explica o autor.


A redenção da alma, segundo Kivtz, encontra-se na coragem existencial. "Se eu bem entendi o que ele está dizendo, quem tem uma alma inquieta e não se sente confortável nesse mundo é saudável. Porque errado está o mundo e não a alma de quem é inquieto no mundo". "Quando a vida nos decepciona, ou a gente corre para o divã, para um prosecco (tipo de vinho) ou para o divino. O problema é que Deus também decepciona", afirma Kivitz.


Ao contrário de Nietzsche, filósofo que era ateu confesso, o escritor entende que a fé deve nortear o modo de viver neste mundo caótico, repleto de injustiças sem sentido: "Eclesiastes consegue enxergar a vida como ela é e encontra caminhos de dignidade sem deixar-se levar pelo ceticismo, pela desesperança, mas ele não mascara, não se ilude e portanto nos deixa muito vulneráveis. (...) Quando estamos vulneráveis temos a fé".


"Ninguém é capaz de entender o que se faz debaixo do sol. Por mais que se esforce para descobrir os sentidos das coisas, o homem não o encontrará. O sábio pode até afirmar que entende, mas, na realidade, não o consegue encontrar" (Ec 8:17).


No último sábado, 22, em noite de apresentação da obra "O Livro Mais Mal-Humorado da Bíblia", na Livraria Cultura do Shopping Bourbon (SP), René Kivtz falou com exclusividade ao Guia-me. Confira a entrevista:


Guia-me: Você encararia o autor de Eclesiastes como otimista ou pessimista?


René Kivitz: O autor de Eclesiastes não é nem pessimista nem otimista. Ele é realista. Uma das palavras-chave do livro, uma das expressões, é "debaixo do sol". Usando a expressão do Nelson Rodrigues, ele vê a vida como ela é. Ele não lê entrelinhas, ele não tem metafísica, ele simplesmente relata fatos da vida e diz: - Olha, isso é um absurdo e isso não faz sentido. Isso é vaidade.


A tradução do Haroldo de Campos para "vaidade de vaidade" é névoa de nada. Ele vê a vida e não faz sentido que o homem morra e seja enterrado no mesmo lugar que o cachorro. Não faz sentido que o pobre é pobre e ninguém luta por ele. Quem poderia lutar faz dele mais pobre ainda. Ele é realista. Eu acho que Eclesiastes é um livro realista.


Guia-me: De maneira geral, o Antigo Testamento revela o plano de Deus para a humanidade com a vinda de Cristo. Como você enxerga a relação do livro de Eclesiastes com o plano de redenção?


René Kivitz: O livro de Eclesiastes não tem plano de redenção. Ele não tem plano de redenção messiânico. Ele é um dos livros de sabedoria e não um livro profético. Ele não tem redenção nenhuma; pelo contrário. Ele diz: - Olha, o que você tiver de fazer, faça da melhor maneira que você puder porque a sepultura para onde você vai a coisa acaba.


Ele tem um conceito de juízo. Ele diz que Deus há de trazer juízo sobre tudo e todos. Mas ele não tem uma promessa de redenção. Talvez o grande diferencial do livro de Eclesiastes na Bíblia sagrada é que a redenção dele não é escatológica e nem metafísica. É existencial. Você redime a sua vida enquanto vive com dignidade. Sem nos tornarmos maus quando atacados pelos malvados, sem nos tornarmos cínicos quando os nossos castelos desmoronam, sem nos tornarmos insensíveis quando a miséria está ao nosso lado e os que deveriam promover a justiça são cegos e promovem mais injustiça ainda. É mais ou menos isso.


Guia-me: Qual o sentido do título do livro?


René Kivitz: Mal-humorado não no nosso sentido, que a gente considera bom-humor estar rindo e mal-humor estar irritado. Mal-humor no sentido filosófico, que especialmente os gregos tratavam, aliás o Eclesiastes é livro mais próximo da filosofia grega que nós temos na Bíblia, os gregos diziam que o mal-humor era um senso de inadequação no mundo. Um desconforto no mundo. Mal-humor no sentido de uma inquietação de quem não se sente confortável no mundo.


Com certeza, de todos os livros da Bíblia, o cara que menos se sente confortável no mundo é o Kohele de Eclesiastes, o que fala diante uma assembleia. Esse cara pegou todo o mal estar do mundo, da existência humana, e trouxe para dentro da alma dele.


Guia-me: Por isso esse caráter atemporal de Eclesiastes.


René Kivitz: Ele é absolutamente atual, eu penso.


Guia-me: Você faz algumas referências musicais como a Lulu Santos, Renato Russo, Biquini Cavadão. Como você responderia a uma possível critica negativa por utilizar músicas "seculares" intercaladas com uma literatura bíblica. De misturar o sagrado com o profano?


René Kivitz: Justamente o nosso esforço cristão deve ser no sentido de acabar com esse fosso que existe entre o chamado sagrado e o profano; o secular e o religioso. Isso é próprio de uma mentalidade moderna que renegou a religião a um canto e é próprio de religioso recalcado que não quer dar o braço a torcer e admitir que fora do seu espaço religioso há sabedoria. Se eu pudesse me defender, eu diria que nós devemos acabar com essa ideia de vida cristã. Não existe vida cristã. Existe vida. Existe um jeito cristão de ver a vida e um jeito não-cristão de ver a vida. Mas existe vida.


Quando o sujeito vai almoçar num restaurante, pegar um ônibus para a universidade, quando ele procura um dentista, ele não pensa que o restaurante, o dentista, a universidade e a empresa de transporte coletivo são profanos. Mas a poesia ele acha que é profana. Nós temos que usar tudo que existe e redimir a cultura, a arte e fazer com que a teologia dialogue com que a sabedoria das tradições espirituais converse e se misture com a cultura.


Guia-me: Isso até para evitar uma alienação.


René Kivitz: Que é o que existe, né? Temos que sair do nosso gueto. Eu gostaria que o livro de Eclesiastes e especialmente por conta da abordagem dele, eu gostaria que o livro Mais Mal Humorado da Bíblia fosse lido não como um livro escrito por um pastor, mas como um cara que está junto com Eclesisastes pensando a vida, mas pensando a vida junto com Nietzsche, Alberto Camin, Lulu Santos, Nelson Rodrigues ou quem quer que seja.


Por exemplo, eu citei no livro Renato Russo, citei Jimmy Peterson. Eu tive um professor no seminário que disse que tudo o que está na Bíblia é verdade mas nem tudo que é verdade está na Bíblia. Eu acho que temos que aprender a conviver com esse discernimento universal que existe fora do espaço religioso.


Guia-me: Na elaboração do livro, você teve a preocupação de não torná-lo uma aplicação somente pessoal, esquecendo-se de levar em consideração o leitor de forma mais ampla?


René Kivitz: Sim e não. O livro nasceu como uma série de mensagens que eu preguei no púlpito da Igreja Batista de Água Branca. Eu fiz uma série de sermões. É uma palavra pastoral do púlpito da Igreja que eu tentei depois traduzir em linguagem literária.


Guia-me: Mais ou menos como no livro Outra Espiritualidade, que foi uma coletânia de artigos da revista Eclesia?


René Kivitz: Aí é bem diferente, porque os artigos da Eclesia nasceram já como artigos. Esse nasceu como linguagem de púlpito, oral e para uma congregação cristã. É o sermão de domingo. Ele tem uma preocupação pastoral sim e tem uma abordagem de aplicação pessoal. Eu diria que por mais abrangente que eu queira ser na minha abordagem na verdade eu antes de falar com qualquer pessoa eu falo comigo mesmo. Tanto nas minhas falas de púlpito quanto nos textos que eu escrevo eu estou buscando respostas para mim. Quando eu as encontro as que me satisfazem minimamente, eu compartilho e transbordo. Mas eu estou falando primeiro para mim e depois para os outros.


Guia-me: Mas você não se preocupou que o livro fosse tão somente centrado em você?


René Kivitz: Não, porque eu acho que talvez o exercício seja buscar que a mensagem seja mais universal. Eu perceber nas dores da minha alma e nas minhas angústias e das minhas questões aquilo que há de comum com as dores das almas de todos.


O Terêncio dizia: "Sou humano e nada do que é humano me é estranho". Eu acho que eu procuro isso em mim, e procuro como o Evangelho, o cristianismo e a tradição bíblica respondem a isso.



O Livro Mais Mal-Humorado da Bíblia
Editora: Mundo Cristão
Páginas: 224
Tamanho: 14x21
Categoria: Espiritualidade
Ano: 2009
Valor: R$ 24,90

Clique aqui e leia o primeiro capítulo.

Fonte:Guia-me

6 comentários:

Moisés Pena disse...

Paz!

Já dei uma olhada no seu blog. Muito interessante e já estou seguindo!

Obrigado pelo comentário!

Paz,

Moisés Pena

Teste disse...

O desejo do meu coração é que corações de outros pastores estejam dispostos a se abrirem para o entendimento do Eterno, assim como o Ed.

Angélica C. Pena

João Emiliano Martins Neto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ana claudia disse...

Olá! Graça e paz. Passando para conhecer seu espaço, benção pura e parabéns pelos bons conteúdos. Semana de abundante graça pra ti. Se quiser nos visitar será uma alegria.
blogdamulhercrist.blogspot.com

Lúcia Moreira disse...

Oi meu amigo!

Eu já tinha passeado pelo teu blog, mas ainda não tinha lido essa matéria. Achei fantástica!!!

Sinto falta de pastores que, como o Kivitz, tem suas mentes abertas para o esclarecimento do povo cristão.
Parabéns pelo blog!

Lúcia Moreira

Moisés Pena disse...

Oi minha amiga Lucia,

De fato, precisamos de pastores mais conscientes da realidade cristã. Que sejam também ovelhas do Senhor, e não fazendeiros.....

Fico feliz com sua visita. Volte sempre!

Moisés Pena

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